As palavras são, como se diz em pintura, valores: para produzir, pois, um certo efeito de força ou de graça, o caso não está em ter muitos valores, mas em saber agrupar bem os três ou quatro que são necessários. A beleza de uma pintura—no que respeita ao colorido—acaso está na abundancia das cores? Não, decerto, e se assim fosse, as obras-primas da pintura seriam as estampas de Épinal, onde, numa simples figura, se encontram sessenta nuances ! E todavia, os grandes mestres são Rembrandt, Velázquez, Van-Dick, Ribera, que pintavam com três ou quatro cores. Quase que tenho vergonha de repisar aqui estes axiomas do senso comum!
Mas veja você ainda todos os modernos franceses, os grandes pensadores—Renan, Flaubert e mesmo Dumas filho. Escrevem com meia dúzia de palavras. Flaubert catava dos seus livros todos os termos que não pudessem ser usados na conversa pelo seu criado: daí vem ele ter produzido uma prosa imortal. E a razão é que só os termos simples usuais, banais, correspondendo às coisas, ao sentimento, à modalidade simples, não envelhecem. O homem, mentalmente, pensa em resumo e com simplicidade, nos termos mais banais e usuais. Termos complicados, são já um esforço de literatura—e quanto menos literatura se puser numa obra de arte, mais ela durará, por isso mesmo que a linguagem literária envelhece e só a humana perdura. Seria por isso impossível tornar bem compreensível a análise de um sentimento, se você em lugar de notar todas as modalidades desse sentimento em termos claros e simples, através dos quais elas vivessem, as empastasse, as afogasse, usando os sinónimos complicados desses termos simples. Um romance que não possa ser lido sem um dicionário, é uma obra grotesca.
Eça de Queirós, in 'A Correspondência de Fradique Mendes'